14/04/2016
O Pegaí Leitura Grátis adora histórias de superação, ainda mais aquelas em que os livros foram os responsáveis pelas transformações. No último ano, uma destas histórias marcou as comemorações de dois anos do Pegaí em Ponta Grossa. O escritor Santareno contou como sua vida mudou, tudo por causa dos livros e de sua sede por conhecimento. De uma pequena aldeia na África para as Universidades do Brasil.
Na última semana conhecemos outra história. Destas que dá vontade de compartilhar. É a história da escritora e editora Rosana Mierling, hoje moradora de Buenos Aires na Argentina, nascida no Rio Grande do Sul. “Você não tem ideia do que os livros e a literatura fizeram comigo. Me tiraram da rua e me afastaram das drogas”, relatou. “O trabalho que vocês fazem é impar. Tenho um sonho de um dia ver esse projeto no Brasil todo”, dispara, elogiando o Pegaí.
Rosana conta que durante sua infância, no interior do Piauí – foi levada até a cidade de seu pai quando pequena -, não podia “se divertir” como as demais crianças. Isso porque seu pai, “protestante fanático”, não permitia atividades que considerava “do diabo”. Ver televisão e escutar música era proibido. Na adolescência, fase em que a garota queria aproveitar e sair com os amigos, também foi cerceada. Sair, só para ir à igreja. E para completar, as surras – os espancamentos nas palavras de Rosana – eram frequentes.
Esta falta de ‘alternativas’ de diversão, fez com que Rosana se apegasse aos livros. Ainda que os escondesse do pai conservador, temendo o que ele acharia das obras. “Para não enlouquecer me voltei aos livros. Com nove anos comecei a ler, com 15 já tinha lido mais de 200 livros, todos emprestados. Muitos eu lia a luz de vela, escondida na madrugada com medo do meu pai achar que livros também eram ‘pecado’”, lembra.
Os livros eram seu refúgio. Com eles, Rosana esquecia suas dores. Para adquiri-los era uma manobra. Quando não conseguia os empréstimos, pedia para uma amiga ir até o sebo e gastar todas as suas economias. O lanche da escola também era transformado. “Trocava o dinheiro da merenda por gibis”, ressalta. E o esconderijo disso tudo era o seu colchão.
Cansada de tantas proibições e maus tratos, aos 18 anos Rosana deixou seus pais e sua casa no Piauí. No Rio de Janeiro, sozinha, se viu no meio das drogas. Nestas horas os livros que eram seus conselheiros. “Os livros, sempre comigo, me diziam que não era esse o caminho”, conta. Mesmo assim, a jovem conseguiu sobreviver. Pulando de serviço em serviço ela pagava seu aluguel em um pensionato e comprava apostilas em um sebo para estudar para o Vestibular.
Certo dia, sem oportunidade de emprego, o dinheiro acabou. As ruas do Rio de Janeiro viraram sua casa. “Me colocaram na rua. Eu e meus livros”, relata. Foram mais de 40 dias perambulando, com duas calças, três camisetas, uma escova de dente e outra de cabelo, duas calcinhas e 48 livros. Nas ruas, os livros quase foram base para um “comércio”. Rosana conta que chegaram a oferecer drogas por eles. Mesmo com vontade de ‘fugir’ da realidade ela recusou. “Não podia dar os meus livros”, explicou.
Para se alimentar, Rosana também usou seus livros. Mas ela não os vendeu não. “Eu lia toda a tarde para uma senhora, que tinha um pequeno restaurante. E em troca ela me dava um prato de comida”, revela. A “boa ação” trocada logo rendeu outro serviço para a garota. Um dia sobrou uma vaga de lavadora de pratos no restaurante da senhora e quem foi contratada? A Rosana. E com isso ela pode recuperar sua vaga no pensionato e deixar as ruas.
E assim terminou a fase difícil da vida desta garota, que como tantas outras, se veem nas ruas. Depois disso, ela terminou os estudos, e conseguiu passar em um vestibular. E não foi em qualquer Faculdade. “Passei para a federal”, exulta. O curso sonhado era o de jornalismo, mas como ela tinha que garantir o seu sustento teve que mudar de ideia, já que o curso era em período integral. Assim Rosana se voltou para Análise de Sistemas.
Hoje Rosana, além de guerreira, é mãe. E pelo jeito o amor pelos livros já foi herdado pelo seu filho. “Com 12 anos ele já leu mais de 150 livros. E só não lê mais porque existe computador”, brinca. Para a dona desta história, o Pegaí tem um sentido diferente. “Sonho um dia ter estantes em todo o Brasil, para que pessoas como eu não tenham que sofrer porque não tem onde pegar um livro”, explica. “Quando me sinto depressiva, triste, eu converso com eles. Os livros me acalmam, eles me fazem sentir que tudo pode ser diferente”, finaliza.